Destaques A ilegal arquitetura processual do capotamento da ‘revisão da vida toda’

A ilegal arquitetura processual do capotamento da ‘revisão da vida toda’


Para quem teve a oportunidade de assistir ao último julgamento que envolveu a “revisão da vida toda”, um capítulo de várias discussões nos plenários virtual e físico, muitos ficaram sem entender o porquê de tal matéria não ter sido analisada isoladamente, como vinha acontecendo desde 2022, e qual motivação de subitamente ela emergir no centro do debate das Ações Direta de Inconstitucionalidade (ADI’s) 2.110 e 2.111.

Torna-se mais curioso ainda, pois não há qualquer pedido formal por parte do Instituto Nacional do Seguro Social para reunir as ações ou mero despacho de algum ministro, de ofício, determinando a conexão prévia entre elas.

De uma hora para a outra, as ações aparecem misteriosamente unidas e a maioria dos ministros se comportando naturalmente diante dessa circunstância, como se nada tivesse acontecido, ao reunir processos em tramitação com fases distintas e um deles, inclusive, com decisão de mérito sacramentada, embora a lei proíba essa prática.

De início, se faz uma ponderação: se a revisão da vida toda vinha sendo discutida no processo RE 1.276.977 (Tema 1.102) de maneira exclusiva desde 2022, por que logo o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luís Roberto Barroso, resolveu reunir discussões diferentes, sendo uma delas com o mérito já decidido, franqueando de forma oblíqua que novos ministros pudessem opinar no mérito de algo já decidido?

A segunda pergunta: considerando que lei federal proíbe reunião de processos para julgamentos conjuntos se algum deles já teve o mérito enfrentado por decisão, por que ministros da Suprema Corte brasileira ignoraram solenemente o que dispõe a lei federal?

Além dessas perguntas, estarão no centro do debate deste singelo artigo mais algumas questões inquietantes.

Hibernação das ADI’s 2.110 e 2.111 nas prateleiras do STF

Quando a Lei 9.876, de 29 de novembro de 1999, foi criada, microrreforma previdenciária do governo Fernando Henrique, gerou a reação de alguns partidos políticos em suscitar a inconstitucionalidade de alguns dispositivos.

Apenas três dias depois da criação da Lei 9.876/99, foram protocoladas duas ações diretas de inconstitucionalidade no STF.

Na ADI 2.110/DF, o Partido Comunista do Brasil (PC do B), o Partido dos Trabalhadores (PT), o Partido Democrático Trabalhista (PDT) e o Partido Socialista Brasileiro (PSB) ajuizaram a ação para reconhecer a inconstitucionalidade de alguns artigos da Lei 9.876/99, que alteraram a Lei 8.213/91, especificamente nos seguintes artigos:

  • 1) – artigos 25 e 26: as seguradas contribuintes individuais não precisam de carência para gozo do salário-maternidade;
  • 2) – artigo 29: insurgência contra a ampliação de todo período básico de cálculo, para que o cálculo da aposentadoria voltasse a ser com base na média dos últimos 36 salários de contribuição;
  • 3) – artigo 29, §§ 6º, 7º e 8º: inconstitucionalidade do fator previdenciário;
  • 4) – artigo 67: que o salário-família seja pago sem condicionante de a criança ter o atestado de vacinação obrigatória e a frequência escolar;  e
  • 5) –  artigo 9º, da Lei 9.876/99: inconstitucionalidade pelo fato de uma lei federal não poder revogar a lei complementar 84/1996.

Na ADI 2.111/DF, a Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos (CNTM) buscou a inconstitucionalidade contra a Lei 9.876, nos pontos:

  • 1) – artigo 29, caput, e parágrafos da Lei 8.213/91: o cálculo do benefício previdenciário de aposentadoria com fator previdenciário; e
  • 2) – a inconstitucionalidade do artigo 3º, da Lei 9.876/99 por se chocar com o artigo 3º da EC 20/1998.

Estas duas ações (ADI’s 2.110 e 2.111) hibernaram nos armários do Supremo por quase um quarto de século. Em 2023, ambas foram julgadas em parte, até que depois disso foram unificadas ao caso da revisão da vida toda.

STF não se deu conta das ADI’s do ano de 1999? Preclusão regimental

Quando o caso da revisão da vida toda chegou ao Supremo, em junho/2022, o processo que discutia a inconstitucionalidade da Lei 9.876/99 — por meio das ADI’s 2110 e 2011 — já se encontrava na corte há 23 anos.

Carlos Peruca 29 mar 2024 - 14:27m

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